Nanã Buruku

Representação de Nanã Buruku. Foto: Pierre Verger.

Falar de Nanã é uma tarefa muito difícil, afinal, falar de uma divindade tão antiga é algo que exige muita responsabilidade, dado ao fato de que a forma de cultuá-la ou de entendê-la tenha sofrido alterações ao longo de muito e muito tempo.

Nesse texto não quero que se apeguem ao seu culto no Candomblé, nem na Umbanda. Claro que citarei como é vista e cultuada nessas religiões, mas meu foco aqui se dá no culto africano deste Orixá. Então pode ser que eu traga conceitos que divergem do que nos é ensinado aqui. Vamos lá!

Tão antiga, quanto a Terra, Nanã tem seu culto originário em Dassa-Zoumé entre os povos Fon (Benin, Daomé) e Ewe (Togo), sendo cultuada como Deus Supremo. O povo Daomeano tem Nanã como Deusa Suprema da Criação, dando à luz ao espirito da lua “Mawu”, ao do sol “Lisa” e a todo o Universo. Isso torna autoexplicativo o significado de seu nome: Nana (antigo, velho) e Buruku (o nome de Deus) ou seja, “Deus Antigo”. Esse é o entendimento sobre Nanã como Vodun.

Com base em estudos antropológicos e teológicos, pesquisadores e historiadores da cultura africana concordam em dizer que os Voduns não são divindades diretas do reino Daomé, mas sim de tribos anteriores àqueles que se estabeleceram no que mais tarde se tornou Daomé e hoje, atual República do Benin. Os Daomeanos quando colonizaram ou invadiram aquela área, tomaram essas divindades para eles, isso indica que Nanã e seus filhos são mais velhos que as divindades Iorubás, colocando a cronologia dos Voduns antes da idade do ferro e do aparecimento de Obatala e Yemanjá. Como eles antecedem os Orixás, até seus ebós devem ser feitos com ferramentas feitas de osso, pedra ou rocha.

Com a invasão dos Iorubás ao reino Daomé, eles (os Iorubás) encontraram um panteão com semelhanças em sua estrutura, permitindo que os Daomeanos continuassem seus cultos. Os Iorubás tinham seu próprio sistema de crenças e podemos dizer que inseriram Nanã ao deles cultuando-a como uma divindade e não como um Ser Supremo, sendo Olorum o Criador e não mais Nanã. Para o povo Iorubá, Nanã é um Orixá muito poderoso por ser filha de Deus Supremo, um dos motivos de ser chamada também de Omolu, a contração das palavras Omo (filho) e Olúwa (Deus), logo "Filha de Deus". Por falar na expressão Omolu, vale ressaltar que tanto os Ewe, quanto os Egbe entendem Buruku como um ser andrógino. Entre os Iorubás, o aspecto masculino de Nanã é chamado de Omolu.

O povo Igbomas chama Nanã de “Olisabuluwa”, possuindo um culto um pouco diferente, onde alguns a cultuam ativamente ou apenas cultuam os deuses originários dela. O povo de origem Iyesá consideram Nanã como um Obatalá e os povos de origem Nina Popo como um Orixá independente, semelhante aos Iorubás.

Ao contrário do que é erroneamente ensinado aqui no Brasil, no culto de Nanã Buruku podem ter homens iniciados, mas existem algumas diferenças na forma de cultuá-la. Há um Vodun no Togo e Gana com mesmos significados ao Vodun de Savalu, sendo o mesmo culto. Os homens são iniciados, são membros participativos, porém somente as mulheres realizam a incorporação do mistério Nanã. Ela é uma expressão pura do Sagrado Feminino e claro, sua ação é muito mais profunda nas mulheres, dado ao fato da incorporação. 

Os iniciados no culto africano de Nanã, devem seguir obrigações à risca, Nanã é um Orixá muito exigente, sério e severo. Recém nascidos, mulheres menstruadas, mulheres que tiveram relações sexuais recentemente ou em estado de gravidez adiantado não devem nem se aproximar de seu santuário. 

As mulheres só podem se tornar sacerdotisas de Nanã após a menopausa e são as únicas autorizadas a oferecer sacrifícios a Nanã, enquanto os demais devem esperar do lado de fora do santuário. Vale dizer que não é permitido imolar animais do sexo feminino, pois é visto como uma agressão à essência feminina. O Templo de Nanã fica em Dassa-Zoumé, no Benin e é chamado de Templo Dassa-Zoumé. Em frente ao templo fica um baobá (árvore de grande porte, típica e sagrada na África), onde Nanã é cultuada.

Templo de Nanã em Dassa-Zoumé. Foto: Pierre Verger.

A grande Ìyagbá Nanã está associada à morte, à terra, lagos, pântanos e brejos. Por essa qualidade maternal e com a terra, Nanã possui um ligeira relação com a agricultura também. É mãe dos mortos e ancestrais.

Ao irmos de volta para a terra, o igbánlá (grande cabaça), ela recebe os corpos que lhe reabastece capacidades genitoras, tornando possível novos nascimentos na Terra (Aiye). Esses nascimentos possuem relações vivas daqueles que nasceram com seus ancestrais, onde ambos dão continuidade em seus estados evolutivos.

O símbolo de Nanã é o Ibiri, muito encontrado em seus assentamentos que são chamados de Igba Nanã. O Ibiri é construído a partir da nervura do Iji Opé, mais conhecido como dendezeiro (também pode ser construído com hastes de palmeira). O Ibiri é confeccionado de forma curva ornado com búzios, palha da costa, fio de contas e cabaça. É possuidor de muitos significados como, uma ferramenta para afastar eguns, também carrega a simbologia de ser uma multidão de espíritos mortos embaladas no colo de Nanã durante sua dança, e também há o significado de que o Ibiri nasceu junto com Nanã, sendo parte de sua placenta. Podemos dizer então que o Ibiri é uma ferramenta que faz elo entre a vida e a morte. Na Umbanda seu símbolo também pode ser a espiral, simbolizando a evolução dos seres.

No Brasil, Buruku tem seu culto no candomblé Jeje como um Vodun e no candomblé Queto, como Orixá (Igual aos Iorubás), sendo sincretizada com Santa Ana. Tanto na Umbanda, quanto no Candomblé ela é considerada o Orixá da chuva, das águas paradas, mangues, pântanos, terra molhada e lama, sendo relacionada à calma, paciência, sabedoria e evolução. Também é tida como mãe de Obaluaiyê, Iroko, Osanyin, Oxumarê e Yewá. Em todos os cultos no Brasil, Umbanda e Candomblé ela é vista como Orixá mais velho, sendo chamada de avó dos Orixás. Aqui existem terreiros em que homens são iniciados nela ou não, bem como existem homens que incorporam sua vibração ou não, tudo dependendo da tradição em que a casa foi fundamentada.

Na Umbanda, Nanã não possui qualidades, sendo cultuada apenas como Nanã, mas no Candomblé possui as seguintes qualidades: 

∙ Nanã Abenegi: Dessa Nanã nasceu o Ibá Odu, que é a cabaça que traz Oxumarê, Oxossi Olodé, Oyá e Yemanjá.

∙ Nanã Adjaoci ou Ajàosi: É a guerreira e agressiva que veio de Ifé, às vezes confundida com Obá. Mora nas águas doces e veste-se de azul.

∙ Nanã Ajapá ou Dejapá: É a guardiã que mata, vive no fundo dos pântanos, é um Orixá bastante temido, ligado à lama, à morte e a terra. Veio de Ajapá e está ligada aos mistérios da morte e do renascimento. Destaca-se como enfermeira; cuida dos velhos e dos doentes, toma conta dos moribundos. Nela predomina a razão.

∙ Nanã Búkùú: Também é chamada Olú aiye (senhora da terra), ou Oló wo (senhora do dinheiro) ou ainda Olusegbe. Este Orixá veio de Abomey; ligado à água doce dos pântanos, usa um ibiri azul.

∙ Nanã Obaia ou Obáíyá: É ligada a água e a lama. Mora nos pântanos; usa contas cristal vestes lilás e veio do país Baribae.

∙ Nanã Omilaré: É a mais velha, acredita-se ser a verdadeira esposa de Oxalá. Associada aos pântanos profundos e ao fogo. É a dona do universo, a verdadeira mãe de Omolu Intoto. Veste musgo e cristal.

∙ Nanã Savè: Veste-se de azul e branco, e usa uma coroa de búzios.

∙ Nanã Ybain: É a mais temida. Orixá da varíola, usa cor vermelha, é a principal, come direto na lagoa, dando origem a outros caminhos. Para chamá-la, a ekedi tem que ir batendo com seus otás para fazê-la pegar suas filhas.

∙ Nanã Oporá: Veio de Ketu, coberta de òsun vermelho. É a mãe de Obaluaiyê, ligada a terra, temida, agressiva e irascível.

∙ Nanã Xalá: Muito ligada ao Branco e a Oxalá.

Existem ainda outras qualidades, como: Iyabahin ou Lànbáiyn, Inselè, Sùsùré, Elegbé, Bíodún, Asainan ou Asenàn, ìkúrè e Asaiyó, mas não encontrei mais informações sobre essas.

Nanã é o grande mistério vivo da existência, do poder feminino que é admirável em todos os seres. Sua compreensão não é fácil, e pode-se dizer que talvez não seja nem possível. Ser de Nanã é mergulhar no mais profundo de sua própria existência, indo até as raízes do ser que habita no mais calmo lago da verdade, da mais pura água que contorna de forma magistral os obstáculos, sendo um bálsamo de sabedoria e calma. Proporcionando todo o barro que molda a vida seja para o triunfo ou infortúnio pessoal. Ser de Nanã é ser feminino o suficiente para dar à luz ao despertar do propósito pessoal de cada um, tornando vigente a vida, transmutado do estado de “existir” para o estado de “ser”. É ser consciente ao ponto de ver todo um cenário confuso de lama e barro, e não se desesperar. Somando a sua sombra e a sua luz num total de verdade, amor e sabedoria, emergindo um lótus de luz que torna singular a existência, me fazendo honrado em ser de Nanã. Salubá!
Leon Ferrari

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